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“Ponto Cego” – Resenha


Um suspense cômico que aborda temas importantes como racismo e gentrificação

Caminhar todos os dias com a sensação de que se está sob uma constante vigilância, em que nenhum tipo de erro, nenhum passo fora do programado será tolerado, gera tensão e ansiedade, que crescem com o tempo e acabam criando a necessidade, a urgência de sentimentos e histórias que precisam ser exteriorizadas. Em “Ponto Cego”, esta tensão é explorada do início ao fim, e facilmente imaginada ao sabermos que iremos acompanhar os últimos dias da liberdade condicional de Collin (Daveed Diggs), que não pode se envolver em nenhuma ocorrência para voltar a ser um homem completamente livre. Isso se torna um problema maior após Collin observar a execução de um homem negro por um policial de Oakland.

Cada respiração do protagonista parece carregar esta tensão, principalmente quando está ao lado da bomba-relógio que é seu amigo Miles (Rafael Casal), que insiste na postura agressiva para demonstrar sua dominância no lugar em que considera seu território. A dinâmica da dupla é clássica de um “buddy movie” e funciona em vários momentos cômicos, mas o que a torna especial são as constantes situações onde Miles arrisca a liberdade do amigo simplesmente pelo fato de que não serão julgados da mesma forma.

Essa abordagem em temas delicados como racismo e gentrificação não fica somente explicitado na relação dos amigos, mas também em como ao testemunhar a execução, precisa lidar com a sua mente que vive uma turbulência de sentimentos como culpa, desespero e pânico. A opção do diretor estreante em longas-metragens, Carlos López Estrada, em apresentar esta confusão mental em uma linguagem videoclíptica, se mostrou bastante acertada, assim como diversas passagens quase oníricas, com Collin expressando através do rap, suas angústias e aflições. O diretor também caprichou ao captar imagens de Oakland, demonstrando com sutileza a união da comunidade, seus diferentes personagens urbanos e a modificação que os tempos recentes tem trazido para lugares periféricos, fenômeno cada vez mais comum pelo mundo.

Nesta representação da gentrificação, é que talvez esteja construída a cena que possa ser a mais representativa sobre o que esta obra pretende dizer. Hipsters com hambúrgueres veganos, uma casa com arquitetura moderna entre outras mais simples, pessoas de altas classes utilizando linguagem típicas das periféricas, objetos simples sendo ressignificados “agregando valor”. Este é o cenário, em que a relação de Collin e Miles sofre seu maior choque, construindo uma tensão entre os dois, que é multiplicada para o telespectador com uma sensação da chegada iminente da polícia, que arriscaria colocar tudo a perder para Collin. É o momento em que os pontos de vista da dupla finalmente são explicitados, demonstrando que o fato de possuírem cores de pele diferente, as consequências sobre seus atos serão julgadas a partir dessa ótica, reforçado pelo fato de um ainda ser um criminoso condenado.

Estas discussões, permeadas pela brutalidade policial e de como ainda a mídia lida com tudo, torna “Ponto Cego” uma obra com forte potencial artístico associado a reflexões que permeiam não somente a sociedade norte-americana, mas o mundo ocidental. Aliando humor, tensão e belas captações visuais, o filme entra para o hall daqueles necessários para quem pretende enriquecer de pontos de vista e não cristalizar somente em uma única visão pessoal de um momento de transformação.

“Ponto Cego” estreia no dia 11 de outubro em todos os cinemas do Brasil.

Por Guilherme Lourenço


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