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‘Cherry’ destaca atuação de Tom Holland mas falha com elementos cruciais do filme


Cherry, o primeiro longa-metragem dos Irmãos Russo após Vingadores: Ultimato, teve sua estreia global no dia 12 de março, no catálogo do Apple Tv+. Confira nossas primeiras impressões do filme!

Após terem enfrentado o gigante desafio de comandar os dois filmes mais aguardados da década, e o concluído com mérito imensurável, os irmãos Russo tiram sua merecida folga do Universo Cinematográfico da Marvel. É de se imaginar que depois de um feito com tamanha escala, a decisão do que fazer a seguir, seja no mínimo curiosa. Pois foi então que, durante seu intervalo, a dupla se deparou com o romance Cherry, um relato pessoal escrito por Nico Walker, no qual ele retrata sua experiência ao contrair estresse pós traumático servindo o exército americano no Iraque, fato que o levou à uma dramática decadência ao se viciar em heroína, e passar a roubar bancos para sustentar o dito vício.

A oportunidade de sair de um projeto tão ambicioso quanto Vingadores e se entregar a ares de experimentação, parece ter sido o principal atrativo para Joe e Anthony Russo. E no fim das contas, Cherry se mostra de fato como uma obra essencialmente experimental. O longa se presta a ser, ao mesmo tempo, um filme de comédia, de guerra, um drama sobre dependência química e um filme de assalto. Além de mais outras possíveis categorizações. Como já é de se esperar, quem tenta agradar tanto a gregos quanto a troianos, provavelmente acabará se perdendo em algum ponto… mas isso não significa que Cherry se perca totalmente.

O filme se mostra como um aglomerado de tons e estilos de abordagem, trabalhando em sua primeira metade uma fórmula mais cômica e irônica, cujo propósito parece ser, ainda que experimentar certas dinâmicas e conceitos, trazer alguma leveza para suas aproximadamente 2 horas e 20 minutos de exibição, pois alguns elementos como olhares para a câmera, se estendem até perto do fim. Todo o arco inicial do protagonista interpretado por Tom Holland, é englobado por essa ideia até que as coisas comecem a ficar sérias e pesadas demais para serem tratadas pela mesma atmosfera, e aos poucos o longa vai deixando sua ironia de lado, ao adentrar em um derradeiro clima tenso e dramático. Cherry começa a funcionar muito melhor quando passa a focar no desenvolvimento de sua tensão, todos os elementos e principalmente a atuação dos protagonistas, esbanjam maiores virtudes ao se proporem a trabalhar impactos e consequências dessa forma.

Não se trata de esperar o famoso “sombrio e realista” como sinônimo de qualidade, a questão não está na utilização do humor, mas sim que seguindo essa linha, é provável que se torne um tanto quanto difícil se importar ou mesmo sentir a relevância e impactos de traumas causados por vivências absurdas. Impossível não, visto que produções como Todo Mundo Odeia o Chris retratam temas pesados utilizando um humor muito mais caricato do que o presente em Cherry, e mesmo assim não perdem sua relevância. Felizmente, essa relevância também não se perde no longa dos Russo. Contudo, para tal, o que ele faz é justamente abandonar essa abordagem quase que por completo, fazendo com que toda a construção cômica pareça demasiadamente desconexa do todo, já que ao focar no desenvolvimento dos arcos de decadência usando uma abordagem mais calcada na tensão e desconforto, o filme entrega um produto muito mais saboroso ao se pensar na proposta base. Em aspectos narrativos, estéticos e emocionais. É quase como se existissem dois filmes em um, que não conseguem se comunicar efetivamente dentro da mesma obra.

Todavia, mesmo que tenha uma confusa aposta de tom, Cherry é um espetáculo a parte ao se tratar das atuações estonteantes. O ator que provou ao mundo ser um poço de carisma ao encarnar Peter Parker no MCU, não surpreende ao manter-se no mesmo alto nível durante a parcela bem humorada do longa, mas faz qualquer queixo cair ao virar completamente a chave quando demandado pelo roteiro, e entregar uma atuação simplesmente arrasadora, digna de Oscar como já observado pelos diretores (eu diria que de fato, ele bem mereceria ao menos uma indicação). Tom exerce uma atuação física chocante, passando sensações e mensagens tridimensionais apenas com olhares, posturas, e uma excelente modulação vocal. Ciara Bravo, que interpreta o par romântico de Holland, também entrega um papel dramaticamente deleitante. Os dois são elementos que funcionam mais interessantemente com a troca de tom, pois ao permitir que “enlouqueçam” em seus papéis, Holland consegue sair da zona já conhecida pelo grande público e esbanjar ainda mais talento, enquanto Bravo consegue desenvolver bem melhor uma personagem até então com uma construção de passado e presente um tanto apática. Assim, ambos são possibilitados de se elevar criativamente dentro do filme, além de firmarem sua química como um casal, através da problemática de sua decadência. O romance que parecia não tão conciso no começo, ganha mais força e envolvência durante esse arco, e pode-se dizer que dá a volta por cima no fim.

Cherry deixa ao final de seu passeio sinuoso a impressão de que mesmo experimentando águas confusas para o projeto, consegue sim cumprir a missão principal, e entrega uma história sobre decadência impactante, envolvente, com grau  de consequência e personalidade. Ainda que as escolhas experimentais possam não agradar à todos, e causem até certa insinceridade do filme para consigo mesmo, o longa não esquece do seu propósito base, e acaba fazendo jus a ele. A direção dos irmãos Russo renova seu sabor para aqueles que começaram a acompanhar a dupla a partir da Marvel, e Tom Holland mais uma vez mostra ser um ator imprevisível, no que talvez seja mais um divisor de águas para sua carreira aos olhos do grande público que o adotou como o Homem Aranha.

Por Balde de Pipoca


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