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“Death Note” é uma aula da Netflix sobre como estragar uma obra-prima


Pelo visto, a adaptação live-action norte-americana do anime “Death Note” teve um retorno quase que unânime do público… E com a gente, não foi tão diferente assim

A humanidade é uma raça interessante. A capacidade artística que encontram para se expressar é encantadora, encontrando formas como a pintura, a escultura, a música, a literatura… e claro, nisso também entram as HQs e os mangás, tão bem produzidos no oriente. E claro, não podemos nos esquecer do cinema. Ou melhor: a experiência audiovisual como um todo. Disse tudo isso porque, ao mesmo tempo em que um ser humano pode criar uma obra complexa e artisticamente relevante como “Death Note” – criado por Tsugumi Ohba com ilustrações de Takeshi Obata – outros podem simplesmente pegar esse mesmo trabalho e criar um trabalho medíocre, vergonhoso e totalmente sem sentido. Foi o que acabou se tornando a adaptação ocidental do mangá japonês, produzido pela Netflix e dirigido por Adam Wingard.

É preciso, porém, separar as duas coisas, por mais que seja difícil para quem tenha lido o mangá ou assistido o célebre anime produzido no Japão na década passada. Entretanto, mesmo como obra independente, o Death Note americano não passa de um pálido hibrido dos filmes da série “Premonição” com os trechos bregas dos filmes de terror oitentistas. E isso é realmente uma pena.

Netflix: por que você fez isso com a gente?

A história de Light Turner, aqui interpretado por Nat Wolff, prometia ser interessante: um garoto problema que perdeu a mãe atropelada por um marginal conhecido por sempre se safar de punição, em uma tarde acaba encontrando o Death Note, que traz junto um demônio chamado Ryuk. Nesse caderno é possível escrever quem morre, quando morre e como morre, seguindo determinadas regras que são explicadas no decorrer do longa. Light arruma uma namorada, Mia (Margaret Qualley) que o ajuda a botar em prática um plano audacioso: eliminar todos os bandidos da face da Terra. Quando as mortes passam a chamar a atenção de L (Keith Stansfield), o melhor detetive do mundo, as coisas começam a se tornar cada vez mais pesadas.

Ao ler o parágrafo acima, se percebe o quanto o filme poderia ser bom, se bem trabalhado. Mas a Netflix entregou o projeto nas mãos do diretor Adam Wingard, que dirigiu poucas coisas relevantes na carreira. E deu-se o desastre.

A produção da Netflix pisou feio na bola em quase todos os aspectos: Nat Wolff é inexpressivo como Light Turner, não passando verdade em momento algum em sua interpretação. Considerando ser esse o principal papel no filme, já é meio caminho andado para um sério problema no andamento do filme. Margaret Qualley se sai um pouco melhor, enquanto o personagem mais ingrato (na adaptação americana) caiu no colo de Keith Stansfield. Seu detetive L é demonstrado apenas como um excêntrico com acessos de fúria, que cai em constante contradição e que não possui qualquer profundidade. O que era para ser um detetive prodígio brilhante, soa como um policial com sérios problemas de bipolaridade.

Nem tudo está perdido em “Death Note”… ou está?

Mas nem tudo é ruim: a representação gráfica de Ryuk, o demônio da morte, é perfeitamente executada. Isso se deve ao trabalho de Willem Dafoe, que também emprestou a voz ao personagem que manipula as cordas do títere da humanidade, entregando o seu Death Note para “ver o circo pegar fogo”. Além disso, o filme tem um visual bastante dark — e isso é mais mérito da fotografia de David Tattersall, que trabalhou em clássicos como “À Espera de Um Milagre” e os três filmes da saga “Star Wars” produzidos no começo dos anos 2000.

É uma pena que a direção não siga essa tendência técnica. Wingard parece dirigir como um adolescente com a câmera na mão. Seus enquadramentos e decisões técnicas não se ligam, raramente fazem sentido e dão uma enorme impressão de amadorismo ao longa. Provavelmente, se caísse em mãos mais habilidosas, o filme poderia ser salvo.

Mas há também o porém do roteiro. Escrito a seis mãos — Charles e Vlas Parlapanides, juntamente com Jeremy Slater — a história do filme parece correr com todas as tramas sem chegar a algum lugar. Deve ser complicado adaptar uma história de dilema moral tão profunda em apenas uma hora e quarenta minutos. Todavia, poderia ter sido feito com um maior cuidado, mantendo as características principais dos personagens originais.

Parem de adaptar mangás

A única lição que fica dessa experiência arrasadora (no mau sentido) é que o Ocidente não sabe adaptar as obras que vem do outro lado do mundo. Historicamente, até mesmo os mangás mais leves trazem em si um questionamento social, que muitas vezes os produtores americanos não conseguem compreender, ou mesmo se entenderem, não conseguem colocar na tela.

As quase duas horas são torturantes, mesmo para quem não faz a menor ideia do que seja Death Note e não conheça o impacto que teve no mundo dos mangás e animes na última década. Visto como um filme isolado, ainda assim continua ruim, lamentavelmente ruim. A América precisa parar de querer transportar tudo para seu próprio mundo, por conta do medo que se tem da “outra cultura” não ser entendida por conta de barreiras linguísticas. Na maioria das vezes, é melhor ver um filme japonês legendado do que uma adaptação lastimável de algo tão incrível.

Por Maze


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