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Punhal usa a música como arma contra o neofascismo que insurge cada vez mais no ocidente


A Punhal, banda de punk hardcore antifascista carioca acaba de lançar seu primeiro álbum full-length, intitulado “Entropia” pelo selo latino americano Electric Funeral Records. Depois de uma longa espera causada pela pandemia que assola o mundo, e em especial, nosso país, a Punhal conseguiu finalizar o processo do disco que foi gravado, mixado e masterizado no HCS Estúdio, produzido por Marco Anvito e Punhal.

Confira “Entropia”: https://onerpm.link/8611131024

 

A versão lançada nas plataformas digitais conta com 16 faixas, sendo que quatro destas faixas já foram lançadas como singles e em um EP. A versão física trará uma faixa bônus, especialmente feita para dialogar ainda mais com o momento atual que vivemos em nossa história.

As composições lidam com aspectos da vida cotidiana não apenas do brasileiro, mas da maioria absoluta das pessoas que residem em países que adotam o sistema capitalista, e, em especial, práticas neoliberais em suas políticas públicas. O álbum tem forte teor político, por abordar as mazelas de nossa sociedade, por diferentes perspectivas e temáticas. Há uma série de temáticas totalmente relevantes e atuais discutidas nas faixas: problemas enfrentados por trabalhadores, preconceitos de classe, a miséria trazida pelo sistema capitalista, a parcialidade da justiça neoliberal, dentre outros. Mas há, também, chamados à luta por um mundo mais justo e igualitário.

A capa, criada por Wendell Lavor e Ana Cláudia “Cacá” da Agência Le Panda, mostra o conceito criado pelo baterista, Roberto Leonan: uma forte explosão ligada a raízes plantadas no solo. O que tal ilustração significa? Cada indivíduo trará suas próprias interpretações, principalmente depois de ouvir o álbum e absorver as letras. Esperamos, agora, fechar o lançamento com um selo que esteja disposto a mostrar nossa mensagem de protesto e nossa luta por uma realidade em que todos sejamos tratados com dignidade e respeito.

A Punhal nasceu com o intuito de se opor contra o neofascismo e o capitalismo neoliberal que têm transformado as relações humanas em sociedades de consumo a partir do medo e da depressão. Foi por conta da insatisfação com tal sistema que Sandro (Voz), Thiago (Guitarra), Amaury (Baixo) e Roberto (Bateria) se juntaram, em 2018, para fazer um som rápido, agressivo, e sobretudo político, para livrar seus corações e cérebros do peso do existir.​

Conversamos com a banda sobre sua trajetória, processo de composição, influências musicais, planos futuros, entre outras curiosidades. Confira!​

De onde surgiu o nome “Punhal”?

Sandro (voz): O nome PUNHAL foi dado pelo Roberto, nosso baterista. A banda já tinha um propósito de cantar Punk/ Hardcore, porém inicialmente ela ficou com o nome temporário de “Esfíncter”, pois tínhamos a intenção – como temos – de jogar merda no ventilador sobre as atrocidades ocorridas na sociedade e política do Brasil.
Roberto (bateria): Pois é. Mas temos muitos esfíncteres no corpo. Não só o mais conhecido do grande público (risos). Como uma banda declaradamente antifascista, concebemos nosso som e mensagem como uma espécie de arma contra o neofascismo que tem se insurgido cada vez mais no ocidente. Nossas músicas são, no geral, curtas, agressivas e com letras bem afiadas. De certa forma, essas características podem ser comparadas às qualidades de um punhal, arma curta e afiada que pode ser letal. Então, como vemos o trabalho da banda como uma ação antifascista, como arma contra a opressão da extrema-direita e do capitalismo, concordamos que o nome era apropriado.
Amaury (baixo): Roberto é muito criativo em relação à linguagem e à identidade visual da banda. Com esse nome, ele conseguiu pensar em um logo muito forte, que foi feito por Marcelo DoD. Um punho em riste, símbolo já associado ao movimento antifascista, segurando o Punhal, pronto pra luta!

Como e quando a banda surgiu?

Sandro: Somos uma banda de professores. Eu conhecia o Amaury por ser fã da antiga banda dele. Através disso, começamos a ter mais papo, e descobrir que somos ambos professores de Inglês e antifascistas. Ele saiu da banda antiga ao mesmo tempo que eu também saí da minha antiga. Daí, tivemos a ideia de nos juntarmos. Como o Thiago (guitarrista) trabalha junto com o Amaury, no mesmo colégio, só dependemos do baterista, que logo achamos através da Internet… o Roberto.
Amaury: Eu e Sandro nos conhecemos há bastante tempo. Às vezes falávamos sobre montar um projeto para tocar juntos, mas acabávamos ficando só no papo. Depois de deixar minha antiga banda e de tocar em projetos que não vingaram, fui percebendo como o discurso da ultra-direita começou a ganhar muito espaço na sociedade, fui acordando para algumas coisas e resolvi montar uma banda para expressar minha oposição a essas coisas. Queria fazer um som porrada, mas que não ficasse exatamente contido em um estilo. A ideia era ser livre pra fazer o que quisesse, e a vibe punk me sugeria essa liberdade. Os únicos pontos que eu queria manter como direcionamento eram que as letras deveriam ser políticas, cantadas em português e que o som fosse agressivo. Então, falei com Sandro, que topou no ato. Como o Sandro explicou, trabalho com o Thiago, então a parceria acabou acontecendo. Precisávamos, então, de um baterista, que talvez seja o membro mais difícil para encontrar para uma banda. Sugeri ao Sandro botar um anúncio na página “Tô sem banda – RJ” no Facebook. Disse a ele que botasse o seguinte “projeto em início de punk busca baterista para trabalho autoral”. Prerrogativa: o baterista tem que ser de esquerda!” (Risos) Sandro decidiu ser menos incisivo e alterou a segunda parte do texto para “Preferência que o músico não seja de direita”. Bicho, recebemos um grande número de xingamentos, antes mesmo da banda começar (risos). Isso nos deu mais motivação ainda. Mas, ainda que tenhamos sido amplamente ofendidos, encontramos muitas vozes de apoio. Desse post surgiu o Roberto, que nos contactou. O papo fluiu tão bem que fechamos, assim, nossa banda, no fim de 2018.
Roberto: Não sou baterista de ofício. Sempre toquei guitarra em bandas de punk do underground carioca. Mas, como já tinha me aventurado nas baquetas outras vezes e o projeto me pareceu bem legal, decidi topar.

A banda segue promovendo seu último lançamento, o disco “Entropia”. Como foi o processo de gravação desse material?

Sandro: Confesso que não foi dos mais fáceis. Não por conta da gravação em si, mas pelo atraso que foi gerado por conta da pandemia. Já tínhamos praticamente 95% do álbum gravado quando a Covid-19 chegou por aqui, e então demoramos mais de um ano para finalizarmos.
Thiago (guitarra): Trabalhamos na pré-produção, antes da pandemia, gravando os arranjos em casa e desenvolvendo as ideias em conjunto, durante os ensaios. Fechados os arranjos das faixas, fomos para o HCS Estúdio. Contamos com o apoio do Marco Anvito (vocal e baixo do Hicsos e dono do estúdio) nas gravações, que ajudou na escolha dos timbres dos instrumentos e trabalhou na mix e na master. A gravação foi interrompida em março de 2020 em função da pandemia. A intenção era lançar o álbum no 1º semestre de 2020, mas ainda restavam alguns vocais a serem gravados. Fechamos isso apenas em 2021, quando nos sentimos seguros de levar o Sandro para o estúdio e gravar o que faltava.

O disco da banda foi muito bem recebido nos sites de música especializada nacionais e internacionais. Como a banda está vendo esse feedback tão positivo do material lançado?

Thiago: Estamos felizes com a recepção. É bacana ver o álbum chegando em lugares tão distantes e encontrando gente interessada no que temos a dizer.
Amaury: Felizmente, a resposta tem sido muito boa. Acho que porque fazemos as músicas realmente do coração, falamos sobre o que sentimos. Não é algo estudado. Muitas das letras surgem de papéis que temos uns com os outros.
Sandro: Para mim, e creio que para todos, tem sido a realização de um sonho. Amamos o que fazemos, e fazemos com muito prazer. Não é uma banda e nem um álbum pra você se apegar unicamente à melodia. É para você prestar atenção nas letras e se identificar com nossa causa na luta contra o fascismo.

Suas músicas demonstram muita intensidade e entrega por parte da banda. Existe alguma composição que seja mais especial para vocês?

Sandro: Pessoalmente gosto de “Classe Mé(r)dia” por conhecer esse tipo de gente que a música descreve. Além dela, tenho um verdadeiro amor por “Mais um CPF Cancelado”, que mostra a cara do brasileiro reaça, que não tem fundamento para trocar ideia, e crê que tudo se resolva na base do cancelamento de CPF.
Thiago: Para mim, “Só não vence quem não quer” é uma faixa de destaque no disco. Simples e direta, traz mensagem fundamental sobre a precarização do trabalho. Além disso, gosto muito de como ela soa, gosto dos timbres dos instrumentos, da linha do vocal. “O nosso lugar é onde a gente quer estar” também é uma faixa que gosto muito, tanto pela letra quanto pelo instrumental.
Amaury: Como eu disse antes, escrevemos sobre coisas que nos afetam, talvez seja por isso que as músicas são intensas. Usando um termo que tá bem na moda, é tudo bem visceral. Quando falo da típica família odiosa da Classe mé(r)dia, por exemplo, tô falando de tios, primos e pessoas relativamente “próximas” que agem de forma absolutamente repreensível. Então é experiência imediata. E, sendo assim, não tem como tais músicas não serem especiais pra gente. Eu poderia apontar várias, mas meu xodó é “Resistência Antifa”. Fiz essa música em homenagem a Marielle Franco. A escrevi para tentar mostrar a necessidade de nos unirmos contra aqueles que nos querem mortos, como fazia Marielle em sua militância política.
Roberto: Como sou biólogo e vou muito a campo, sou testemunha da destruição dos nossos ecossistemas. As florestas têm mais silêncios, porque muitas das espécies que as habitavam não estão mais lá. Isso mexe muito comigo. Quis trazer isso à consciência das pessoas com “Deus da bala, bíblia e boi”.

Quais as bandas e fontes artísticas que inspiram o som do Punhal?

Thiago: Vou do blues ao thrash. Ouço muito o thrash Bay Area (Exodus; Testament), clássicos do Blues (Freddie King, Albert King, BB King). Na cena brasileira, ouço Ratos, Surra, Confronto…
Amaury: Muita coisa diferente. Pensando em bandas, eu ouço muito thrash Bay Area. Mas tem uma galera no metal que tem se mostrado bem reaça, decepcionando muito. Gosto muito do punk inglês do fim dos anos 70, além de crossover. Obviamente temos influência de Ratos, Surra, dentre outros da cena brasileira. Minha banda favorita de punk é o Flicts. Os caras são fantásticos! São banda obrigatória na playlist de qualquer pessoa que curte punk ou que tenha consciência social. Certamente me influenciam muito tanto nas letras quanto em composições. A vibe de “Resistencia Antifa” deve muito a eles. Mas toquei thrash uma vida inteira. Não tem como evitar sair uns thrashão Bay Area de vez em quando. As letras são influenciadas por muita coisa, até fora da arte. Sou pesquisador de literatura (deve ser por isso que falo tanto, venho das Letras, né? Risos). Muito do que li, seja de literatura, sociologia, filosofia, história, influencia minhas letras. O início do lyric vídeo de Liberal Brazuca, por exemplo, tem uma citação de um autor que li pra minha última pesquisa.
Roberto: Minha formação é calcada no punk. Sou fã de Black Flag, Bad Brains, Minor Threat, Bad Religion, Descendents, Propaghandi, entre outros. Mas, se o cara vem de Madureira, como eu, o samba tá na ponta da baqueta.
Sandro: Eu sou louco por Testament, The Misfits e Planet Hemp. Pra mim, me baseio nestas três escolas.

Podemos esperar mais material em breve?

Amaury: Nem tudo que gravamos saiu no Entropia. Há uma música que guardamos pra lançar como bônus na versão física, que pensamos em lançar quando pudermos voltar à estrada. Posso adiantar que é uma tarantela punk absolutamente sarcástica. Só não posso dizer o nome e o tema (risos). Gravamos, também, uma versão punk pra Comportamento Geral, hino do Gonzaguinha. Só precisamos da autorização da família dele pra lançar. A letra é mais atual do que nunca. Temos mais uma quase finalizada, chamada Diferenças, composta pelo Thiago. Tem aquela cara de punk 77, bem The Clash. Decidimos convidar outros artistas para cantar a música, justamente para celebrar as Diferenças. Já conseguimos gente de todo o Brasil, com vários sotaques e inflexões. Tenho certeza de que o resultado final será muito rico. Mas ainda temos que finalizar, pois falta botar a voz do Sandro. Além disso, precisamos de mais vozes femininas. Eu adoraria ter vozes de cantores e cantoras trans na faixa, também.
Sandro: Com toda certeza. Já temos quase um novo álbum inteiro escrito (risos).
Thiago: Na falta de shows durante a pandemia, trabalhamos em materiais de divulgação como lives para o YouTube. Além disso, escrevemos material novo que vai compor EP ou 2º full em breve.

Como vocês veem o impacto da pandemia e do desgoverno brasileiro em relação à cultura nacional?

Thiago: Os artistas foram muito prejudicados na pandemia. Foram os primeiros a terem atividades interrompidas e o retorno ainda é lento e incerto. Da parte do governo, nada de concreto foi feito: sem vacina, a pasta da cultura entregue a pessoas desconectadas com a pluralidade artística do país… restou somente a solidariedade entre as pessoas que vivem da arte.
Sandro: Vejo um cenário escroto de retrocesso, cujo qual jamais imaginei que pudéssemos viver novamente. E creio que 2022 será um ano ainda mais tenso que 2018, tipo clima de guerra mesmo. É por essas e outras que bandas como a Punhal devem existir.
Amaury: A pandemia tem sido horrível não apenas para a cultura, mas pra várias outras atividades. Mesmo em alguns países que já têm voltado com eventos presenciais, há notícias de cancelamentos de turnês. E quem vive disso tá passando por muita dificuldade. Fazendo tudo que pode pra poder sobreviver. É muito triste. Vejo colegas da cena vendendo equipamento pra poder pagar as contas. Aqui tá pior, graças ao governo corrupto, ineficiente e que tem a morte do povo pobre como plano de governo, como temos visto na CPI. Não poderia ser pior pra cultura. Sempre que a extrema-direita entra no poder há um movimento duplo na cultura. Governos autoritários fazem uma guerra cultural, tentando destruir toda narrativa que busque igualdade. Então, a cultura sofre muito, por ser atacada o tempo todo. Basta ver o queaconteceu com a Cinemateca Brasileira em São Paulo. Mas, ao mesmo tempo, todo esse ataque à cultura serve como combustível para nossa revolta. Produzimos mais, porque temos mais a dizer. Basta pensar na riqueza da produção cultural dos anos da ditatura militar. Tantos músicos e escritores que produziram tanta coisa boa. Talvez possamos ver esse lado positivo em tudo o que tem acontecido. Mas fica difícil, diante de mais de meio milhão de brasileiros mortos pela ineficiência do atual governo.


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