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Seis filmes “pintados de branco” por Hollywood em 2015


Hollywood tem um sério problema com diversidade. Em 2015, não faltaram filmes em que personagens de outras raças foram substituídos por atores brancos.

Diversidade ainda não é o forte de Hollywood. E se você não acredita em mim, acredite nas estrelas do cinema que pedem por mais diversidade nas telonas. Spike Lee, Cate Blanchett, Jessica Chastain, Viola Davis, Ava DuVernay, John Boyega, Geena Davis e Meryl Streep, por exemplo, já se manifestaram por uma maior e melhor representação de negros, mulheres, latinos e LGBTs.

E no que diz respeito à raça/etnia, especificamente, Hollywood ainda possui um longo trabalho pela frente. Segundo um estudo deste ano, realizado pela Escola Annenberg de Comunicação e Jornalismo, da Universidade do Sul da Califórnia (USC), que analisou os 700 filmes campeões de bilheteria lançados entre 2007 e 2014 – exceto 2011 -, constatou-se que brancos representam 73% de todos os personagens no cinema, enquanto negros foram apenas 12,5% deles. Latinos foram 4,9%, 5,3% eram asiáticos, 2,9% do Oriente Médio e menos de 1% eram índios nativos americanos. E atrás das câmeras, os números também são decepcionantes.

Em inglês, existe um termo para essa exclusão de pessoas de outras raças e etnias no cinema: é o whitewash. Ele compreende desde o blackface (quando uma pessoa branca se pinta de negro), a substituição de atores e atrizes de outras raças por artistas brancos e o apagamento de figuras históricas por personagens brancos.

Esta é uma questão relevante e que está no cinema desde o princípio e, infelizmente, ainda persiste nos dias atuais. 2015 teve alguns exemplos de grandes produções cinematográficas que “pintaram de branco” seus elencos, porém, não ficaram imunes às críticas.

Confira uma lista com 6 desses filmes:

“Sob o Mesmo Céu”:

“Sob o Mesmo Céu” é uma comédia-romântica do diretor Cameron Crowe, protagonizada por um elenco todo branco: Bradley Cooper, Emma Stone, Rachel McAdams, Bill Murray, John Krasinski e Alec Baldwin. O problema é maior por conta da personagem de Emma, a piloto da Força Aérea, Allison Ng, uma personagem que descende de chineses e da população nativa do Havaí, local onde ocorreram as filmagens.

A organização Media Action Network for Asian Americans (MANAA), que luta contra o racismo e estereótipos de asiáticos-americanos na mídia, emitiu uma nota contra o longa.

“Caucasianos formam 30% da população [do Havaí], mas ao assistir a esse filme, você acharia que são 99%. Isso vem de uma longa linha de filmes – ‘Os Descendentes’, ‘Como Se Fosse a Primeira Vez’, ‘A Onda dos Sonhos’, ‘Pearl Harbor’ – que escolhem o Havaí para pano de fundo exótico, mas excluem as pessoas que moram aqui. É um insulto para a cultura diversa do Havaí.”

A entidade foi só mais uma a reclamar da escolha do elenco, o que fez Emma Stone comentar sua participação no filme.

“Eu fui o centro de muitas piadas. Aprendi em um nível macro sobre o histórico de whitewashing em Hollywood e como esse problema é persistente. Uma conversa importante sobre isso começou.”

O diretor, Cameron Crowe, chegou a pedir desculpas pela escalação da atriz.

“Muito obrigado por todos os comentários sobre a escolha da maravilhosa Emma Stone para o papel de Allison Ng. Eu ouvi suas palavras de desaprovação e ofereço uma desculpa sincera a todos que sentiram que essa foi uma escalação estranha ou equivocada.”

Já a Sony, responsável pela distribuição do filme, defendeu a produção, afirmando que “‘Sob o Mesmo Céu’ exibe com respeito o espírito e a cultura do povo havaiano.”

“Deuses do Egito”:

Mais uma produção inspirada no Egito antigo recebeu críticas pelo elenco todo branco. “Deuses do Egito”, dirigido por Alex Proyas, é protagonizado por Gerard Butler, Geoffrey Rush e Nikolaj Coster-Waldau.

Contudo, o estúdio responsável pelo filme, o Lionsgate, e o diretor pediram desculpas pela escolha do elenco.

“O processo de escolha dos atores possui muitas variáveis complicadas, mas está claro que nossa seleção poderia ser mais diversa. Eu peço desculpas sinceras para aqueles que se sentiram ofendidos pelas nossas escolhas”, disse Proyas.

Já o Lionsgate reconheceu que eles têm a “responsabilidade de ajudar a garantir que as decisões sobre o elenco reflitam a diversidade e a cultura dos períodos históricos retratados”.

“Nessa instância, nós falhamos em praticar nossos próprios padrões de sensibilidade e diversidade, pelas quais nós pedimos desculpas sinceras. O Lionsgate está profundamente comprometido a fazer filmes que reflitam a diversidade das nossas audiências. Nós temos, podemos e iremos continuar a melhorar.”

Enquanto muitos acharam que a mea culpa não foi lá grande coisa, a diretora Ava DuVernay viu algo positivo.

“Esse tipo de desculpa nunca acontece, quando é algo que acontece o tempo todo. Uma ocorrência incomum que vale ser apontada”, ela escreveu no Twitter.

“Peter Pan”:

O novo longa sobre “Peter Pan” conta a história que não conhecíamos sobre o menino que não queria crescer. O elenco principal do filme, assim como os outros citados anteriormente, é majoritariamente branco: Levi Miller, Hugh Jackman, Garrett Hedlund, Adeel Akhtar, Amanda Seyfried, Cara Delevingne e Rooney Mara. Esta última, que protagonizará o romance “Carol”, ao lado de Cate Blanchett, foi muito criticada por seu papel. Isso porque ela interpreta a Princesa Tigrinha, uma índia nativo americana.

“[Joe Wright, o diretor] me mostrou todas as imagens que ele tinha dessas diferentes culturas ao redor do mundo e me explicou qual era sua visão para a vila nativa. Fez sentido para mim. Eles são nativos da Terra do Nunca, um lugar todo inventado. Então fez sentido para mim”, contou Rooney para o Cinema Blend.

Isso pode fazer sentido para a atriz e o cineasta, mas não para o resto do mundo. Uma petição online foi criada para que a Warner Bros.

“pare de escolher pessoas brancas para fazer papéis de pessoas de outras raças.”

“Essa escolha é particularmente vergonhosa para um filme de crianças. Dizer às crianças que todos seus exemplos devem brancos é inaceitável”, escreve Kristi Arnold, criador do protesto, que contou com mais de 96 mil assinaturas.

Após toda a controvérsia gerada, Rooney Mara contou à revista People que se sentiu “muito mal”. “Mas eu simpatizo totalmente com quem ficou entristecido e me sinto muito mal por isso.”

“Perdido Em Marte”:

Um dos grandes sucessos do cinema deste ano também não ficou imune às críticas de whitewashing. “Perdido em Marte” traz Matt Damon no papel do astronauta Mark Watney, que fica preso no planeta vermelho após uma tempestade acontecer, enquanto seus colegas de tripulação voltam à Terra. Ele então é obrigado a encontrar meios para sobreviver e tentar voltar para casa.

“Perdido em Marte” também é dirigido por Ridley Scott e possui um elenco bem diverso, com mulheres astronautas, como é o caso da personagem de Jessica Chastain. Contudo, a produção foi mais uma a colocar personagens brancos onde não deveria. Ou ao menos é o que parece.

O filme, que é baseado no livro de mesmo nome do autor Andy Weir, possui dois personagens de origem asiática: Mindy Park, uma americana de descendência coreana, e Venkat (no filme seu nome é Vincent) Kapoor, um indiano, interpretados por Mackenzie Davis, uma atriz loira, e Chiwetel Ejiofor, um homem negro. A mesma organização que criticou “Aloha”, a MANAA, também emitiu uma nota contra Ridley Scott e sua escolha de elenco.

“Há tão poucos projetos escritos especificamente com personagens asiáticos-americanos e ele os troca por uma mulher branca e um homem negro. Essa era uma ótima oportunidade de dar bons papéis para talentosos atores asiáticos-americanos e impulsionar suas carreiras, o que permitiria à nossa comunidade tornar-se uma parte maior na equipe de resgate”, escreveu o presidente da MANAA, Guy Aoki.

Entretanto, o autor da obra original, Andy Weir, discorda. Segundo matéria da MTV News, o escritor não atribuiu características físicas a seus personagens, o que permite que os leitores possam imaginá-los como queiram.

“A menos que uma descrição física seja, de alguma forma, relevante para a trama, OK, [por exemplo] você sabe que ele não tem uma perna – algo assim -, mas a menos que isso seja muito importante para a trama, eu não descrevo fisicamente meus personagens.”

No livro, há apenas uma linha em que Kapoor (personagem de Chiwetel Ejiofor) fala sobre a religião de sua família. Ele diz que seu pai é hindu e sua mãe é da igreja batista.

“Ele é um americano. Americanos vêm de diferentes fontes! Você pode ser Venkant Kapoor e negro.”

Quanto à personagem de Mackenzie Davis, Mindy Park, Weir afirma que

“Ela é uma americana e sua família esteve nos Estados Unidos desde sempre, por isso seu nome é Mindy, mas seu sobrenome é Park.”

“Park é também um sobrenome britânico, então, o pessoal que escolheu o elenco pensou que Mackenzie Davis parece com alguém que descende dos britânicos. E ela fez um ótimo trabalho! Com certeza, eu não reclamo de nada relacionado ao elenco”, concluiu o autor.

“Stonewall”:

O filme do diretor Roland Emmerich prometia recontar o início do movimento LGBT moderno, a partir da rebelião de Stonewall, que aconteceu em 1969, porém, o cineasta preferiu não se apegar aos fatos históricos. Isso porque o longa é protagonizado pelo personagem fictício Danny Winters (Jeremy Irvine), um rapaz branco e cisgênero, quando muitos historiadores afirmam que mulheres trans e drag queens negras e latinas eram as pessoas à frente dos protestos.

Logo após o primeiro trailer ser liberado, milhares demonstraram sua insatisfação nas redes sociais e uma petição foi criada pedindo um boicote ao filme. Com tantas mensagens de reprovação, Emmerich se viu obrigado a se manifestar.

“Entendo que o trailer divulgado trouxe preocupações sobre a representação do envolvimento do personagem, mas quando esse filme – que foi um verdadeiro trabalho feito com amor por mim – finalmente chegar aos cinemas, o público verá que ele homenageia os ativistas da vida real que estavam lá.”

Após a estreia do filme e as persistentes críticas de ativistas, o diretor explicou que não fez “um filme apenas para os homossexuais, mas para os heterossexuais também.”

“Eu percebi durante o processo de testes que [Danny, o protagonista] é mais fácil de passar. Danny parece hétero e é maltratado por isso. A audiência heterossexual consegue simpatizar por ele”, contou Emmerich ao Buzzfeed.

A fala do cineasta não caiu bem – obviamente – e “Stonewall” não apenas foi mal recebido pela crítica, como também não foi bem de bilheteria.

“As Sufragistas”:

“As Sufragistas” é outro filme que se propôs a recontar um movimento histórico, mas pecou por apagar parte dele. O longa da diretora Sarah Gavron traz aos cinemas a luta das mulheres britânicas pelo direito ao voto, no início do século 20. Naquela época, as sufragistas eram perseguidas pela polícia, separadas de suas famílias, espancadas e presas.

Vale notar que o movimento sufragista foi racista, tendo várias mulheres daquele período defendido o direito ao voto para as mulheres brancas e não aos homens negros. Ainda assim, isso não impediu mulheres negras e de outras raças a lutarem por seu direito ao voto. Contudo, se você assistir “As Sufragistas”, que já foi lançado em outubro no Reino Unido, a impressão que fica que é que só mulheres brancas arriscaram suas vidas.

Não só isso, o filme protagonizado por Meryl Streep, Carey Mulligan, Helena Bonham Carter e Anne-Marie Duff, entrou em outra polêmica. É que as atrizes, durante uma campanha promocional do longa, posaram para fotos vestindo uma camiseta estampada pela famosa citação de Emmeline Pankhurst, personagem de Meryl na produção, e que foi líder do movimento sufragista na Inglaterra: “Prefiro ser rebelde a uma escrava.”

A frase, embora pareça empoderadora, na verdade exagera a opressão sofrida pelas mulheres brancas, enquanto os negros não tinham a opção de rebelarem-se, pois foram escravos de verdade.

“Sim, a opressão por gênero é tóxica e terrível, mas não é o mesmo que escravidão”, resumiu Zeba Blay em um artigo publicado no Huffington Post.

Hollywood, melhore!

Por Artur Francischi, do Prosa Livre


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